Estive esta semana no Estoril Political Forum, que
é um encontro de ciência política que o Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica Portuguesa organiza anualmente. O título do encontro que
durou 3 dias era “Defending
the western tradition of liberty under law” e nele participaram distintos académicos,
políticos, diplomatas, jornalistas e interessados em geral. Não pude ir a todas
as apresentações que queria, mas houve um debate sobre o populismo que esteve
um pouco perdido entre conceitos e autores que pouco ajudavam ao
esclarecimento. E quanto a mim, a resposta era muito simples, bastava voltar a
olhar para o título do forum: “defender a tradição ocidental da liberdade num Estado
de Direito”.
No entanto, o debate foi no sentido de definir o
populismo como um ataque contra as instituições representativas e contra a
diversidade cultural. Mas o populismo é um ataque a partir de onde? Quando
questionamos a boa saúde de uma instituição, estamos a atacá-la? E desde quando
é que a diversidade cultural e o multiculturalismo são coisas indiscutíveis e a
identidade de um país um tabu? É legítimo fazer estas perguntas, e mais que
legítimo é bom para a saúde da democracia e das suas instituições fazê-las. O
problema não é questionar.
Diria que a primeira diferença entre um populista e
outros intervenientes pode ser uma certa falta de educação e polimento, pois
confunde a crítica ao “politicamente correcto” com a tentação de se ser
simplesmente “incorrecto”, tanto nos modos grosseiros como na falta de honestidade
intelectual. Preocupa-me que esta atitude irada seja tão atraente e charmosa
para muitas pessoas que têm também os seus problemas pessoais e assim se sentem
por momentos identificadas, tornando o populismo popular. Mas esta distinção
não é suficiente. “Como” a questão é posta diz-nos mais acerca do populista,
que parece questionar determinada instituição com desprezo existencial, seja
essa instituição um dos ramos do poder (legislativo, executivo, judicial) ou
uma instituição intermédia que compõe a sociedade civil, como as associações, as
igrejas, as escolas, os bairros ou a família.
No meu entender, o populismo é uma atitude
revolucionária contra o Estado de Direito, contra as leis e as disposições
constitucionais que garantem não só a separação dos poderes como os freios e
contrapesos (checks and balances) que
nos protegem dum poder absoluto. Para pegar no primeiro e segundo lugares do
esquecido concurso da RTP “Grandes Portugueses”, numa ditadura, podemos ter a
sorte de ter um Salazar… mas o acaso não evita que a ele lhe suceda um Cunhal.
Numa democracia liberal, um Salazar nunca poderia brilhar… nem um Cunhal. A grande
desvantagem duma democracia liberal é a de limitar a liberdade criativa do governante,
e a sua grande vantagem é precisamente a de limitar a liberdade criativa do governante.
A democracia não nos leva necessariamente a eleger a melhor pessoa para o
melhor lugar, mas justifica-se por nos permitir expulsar a pior pessoa desse mesmo
lugar. É nesse espírito que leio as célebres palavras de Winston Churchill
ditas na Câmara dos Comuns (11.11.1947):
Many forms of Government have been
tried and will be tried in this world of sin and woe. No one pretends that
democracy is perfect or all-wise. Indeed, it has been said that democracy is
the worst form of government except all those other forms that have been tried
from time to time.
Winston Churchill |
Para além das instituições, há quem acuse o
populista de “identificar os outros”. Mas não faz parte do debate identificar
os outros e aquilo que defendem? Bem sei que não há comunistas tão maus como o
comunismo nem cristãos tão perfeitos como Cristo, mas as ideias têm autores e
devemos responsabilizar e questionar directamente as pessoas que as defendem. O
que não está certo fazer é odiar os adversários e transformá-los em bodes
expiatórios, como os nazis fizeram com judeus, ciganos e outras raças. O ódio e
a destruição da experiência nazi comprometeu desde então até hoje a busca pelos
povos da sua identidade. Mas a identidade, as fronteiras e os países continuam
a ter uma razão de ser, razão essa que deve ser investigada e debatida sob pena
de aumentarmos a crise de identidade que os povos ocidentais vivem nos dias de
hoje e que os terroristas islâmicos e outros inimigos civilizacionais tão eficazmente
têm sabido aproveitar.
Deixo a pergunta em aberto, não será “populista” uma
palavra da moda para identificar o “revolucionário” - personagem bem mais
antigo na história da política? Talvez não sejam exactamente a mesma pessoa,
mas esta é a definição simples que mais se aproxima da ideia que tenho do
populista. Apesar do tratamento mediático da política apontar noutro sentido, o
populismo não é só de direita. Se pensarmos à esquerda, nomeadamente em Chávez,
Maduro, Castro, Zapatero, Iglesias, Lula, Sócrates… não são eles excelentes
exemplares deste fenómeno? O populismo não é uma ideologia, é uma atitude rude
de se estar em público, que inclui uma estratégia de infiltração, conquista e
concentração do poder à volta de uma só pessoa.
No fim do debate no Hotel Palácio do Estoril, houve
uma aluna de doutoramento que não pode participar no debate por restrições de
tempo. Ela estava zangada e achava que não a deixaram falar porque tinham medo
daquilo que ela ia dizer. E como não o disse a todos, disse-o a mim: “eu
considero-me populista, e acho muito bem que se seja populista! Abomino o
politicamente correcto e por isso não me deixam falar. Não sou democrata, sou
contra a imigração e digo-lhe mais… eu sou racista”! Enquanto me recompunha de
tão desagradável declaração, tentei desviar a conversa para um tema mais simpático
sem sucesso, pois fui cortado na palavra. Despedi-me cordialmente e deixei-a a
praguejar com um americano contra o politicamente correcto. Penso que esta
rapariga estava provavelmente certa em assumir-se como populista. Lamentavelmente,
personificava a atitude que acima descrevo e que encontro também noutras
pessoas.
Michael Oakeshott |
Se queremos combater o populismo, temos de estar
aptos a discutir todo e qualquer tema (evitando tabus) importante com elevação,
boa educação, respeito pelas opiniões diferentes, respeito pela história e
pelas instituições, pacificamente, com espírito aberto e vontade de descobrir a
verdade das coisas. Tanto os populistas como muitos dos seus críticos cabem bem
na descrição crítica que Michael Oakeshott faz do racionalista:
(…) he is something also of an individualist,
finding it difficult to believe that anyone who can think honestly and clearly
will think differently from himself.
Não caia eu nesse erro.
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