No meu tempo...

"No meu tempo..." - será que dizem todos a mesma coisa, os velhos? "No meu tempo é que era viver"; "no meu tempo é que era amar"; "que sabeis vós do que é a vida?" - à primeira vista, tudo lugares comuns. É um engano: embora pareça que os velhos dizem todos a mesma coisa, a única coisa que se repete é aquilo que os novos dizem sobre o que dizem os velhos!

É que "no meu tempo" não é para se interpretar à letra e, mesmo que fosse, teriam dado conta que o tempo de que se fala não são os anos '40, '70 ou '90, pelos quais determinada geração de pessoas passou em jovem, mas sim o tempo em que aquela pessoa concreta viveu momentos extraordinários que recorda... Trata-se do "seu tempo", e não "o tempo deles"!

Mas, ao viver agora, este tempo não é "seu" também? Bom, poderíamos concordar que sim só por respeito à coerência do pensamento. Mas "no meu tempo" é uma fórmula poética que remete para memórias que só quem narra conhece, e apenas ele saberá caso entretanto avalie que o revirar de olhos do jovem que o ouve não merece mais escuta.

E vou ser um pouco mais inconveniente ainda: o tempo nem sequer a nós pertence. Quando usamos relógio, podemos ter a ilusão que o controlamos, mas não é por parar o relógio que o tempo deixa de escapar na sua cadência própria, indiferente às nossas vontades de o apressar, retardar, parar, reviver ou saltar. Nesse aspecto, a vida é mais simples na sua complexidade que o simplismo complicado de uma box de televisão, onde tudo se soluciona e comanda pressionando os símbolos:


O tempo a Deus pertence. Aulo Gélio dizia que a verdade é filha do tempo - veritas filia temporis -, talvez  como quem diz que a verdade virá ao de cima como o azeite na água. Mas a verdade já o era antes do tempo passar e, quanto muito, o tempo apenas permitiu que a verdade fosse conhecida. Pelo contrário, o tempo é filho d'Aquele que é a Verdade, bem como o Caminho e a Vida. Deus é o único Senhor dos tempos, nós só fazemos o que podemos no tempo de que dispomos.

"No meu tempo" é, assim, a tal forma poética que indica não um tempo que me pertenceu, mas os fragmentos da memória dum tempo extraordinário que vivi e que guardo e cuido no cofre do meu coração.

"No meu tempo..." - dirão todos a mesma coisa, os velhos? Nada disso, antes pelo contrário! Cada velhinho está a dizer uma coisa bem diferente, muito valiosa e, mais que rara, única. Se porventura duvidardes, "voltamos a falar daqui por uns tempos"...

AVC

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