Reflexões dum ex-lobista

Noutra vida fui lobista e foi-me pedido pela minha querida Universidad de Navarra que explicasse o que era o lobbying a um grupo de alunas da Faculdade de Comunicação que então visitava Bruxelas. Recentemente encontrei o papel desse encontro e achei interessante pôr aqui algumas ideias básicas que lhes tentei transmitir.

Em 2015, havia em Bruxelas cerca de 31 mil funcionários da Comissão Europeia e estimava-se que houvesse mais de 30 mil lobistas, quase um lobista para cada funcionário. Hoje em dia, acredito que o número de lobistas tenha ultrapassado o de funcionários, e atenção que a Comissão Europeia é apenas uma das várias instituições da União Europeia.


Definindo o lobby
Então, e o que vem a ser isto do lobbying? Trata-se muito simplesmente de tentar influenciar políticas, mais concretamente as leis, e o lobista fá-lo no sentido que convém ao interesse ou cliente que representa. O lobista age em nome próprio ou em representação de uma causa ou de um cliente, organiza e fornece informação relevante para o policy maker, promove debates, faz perguntas, ajuda a formular leis e emendas às propostas de lei, convence os políticos a votar de certa maneira, promove acordos e também desacordos. Academicamente, distinguem-se três tipos de lobbying:
- lobby top-down (de cima para baixo, exercendo o poder de superior hierárquico como a UE faz em relação aos Estados-membros, ou como um ministro em relação a um secretário de Estado da sua tutela)
- lobby directo (de igual para igual, como por exemplo entre ministros ou entre deputados)
- lobby de grassroots (de baixo para cima, seja através da organização de manifestações na rua, de artigos de jornal, publicações em redes sociais, petições, etc.)

Um exemplo de lobbying: o que têm em comum as restrições ao tabaco, os cintos de segurança nos automóveis e a proibição do consumo de álcool ao conduzir? Tudo se deve a um eficaz trabalho de lobby das companhias de seguros.

Quem? Como? Onde?
E quem faz lobbying então? Bem, toda a gente: as empresas, os bancos, as farmácias e laboratórios farmacêuticos, os agricultores, as associações (comerciais, laborais, sindicatos, etc.), as igrejas ou religiões, os países e Estados (governos, diplomatas, etc.), as regiões e cidades, as próprias instituições europeias entre si, os partidos, os cidadãos... e fazem-no através de ONG’s (organizações não governamentais), OAANG’s (organizações apenas aparentemente não governamentais), partidos, think tanks, universidades (com estudos, papers, doutoramentos horroris, perdão, honoris causa...), museus e fundações, atribuição de prémios, escritórios de advogados, consultores de relações públicas, jornais e jornalistas, entre muitas outras figuras. Os lugares onde o lobbying se faz também são diversos: ONU, NATO, Comissão Europeia, Parlamento Europeu, outras organizações internacionais, governos e parlamentos nacionais, cafés, restaurantes, hotéis, discotecas, comboio, avião, metro, e-mail, telefone, gabinetes e escritórios, casa, ginásio, piscina, practicando um desporto em equipa, num clube cultural ou recreativo...

Eficácia do lobby
Se não for bem feito, o lobby pode ser um desperdício de dinheiro ou até contraproducente. Dou dois exemplos de lobbying ineficaz:
- uma vez fui a uma conferência sobre a crise europeia, que fazia um diagnóstico tremendo sobre o estado das economias europeias, suas empresas e famílias. A conferência teria sido um sucesso a nível de conteúdo caso não tivesse sido rematada por um cocktail onde foram servidos champagne, água Evian e tostinhas com foie gras. Neste caso, a forma prejudicou a mensagem.
- em Junho de 2013 assisti a um evento caríssimo, muito bem servido, num dos espaços mais amplos do Parlamento Europeu. O objectivo era a promoção da cidade de Sevilha, não só a nível de turismo como de negócios. O problema foi que todos os discursos foram em castelhano, sem tradução, e o power point e material impresso também só estavam na língua local de Sevilha... tudo para espanhol ver! De que serve a uma cidade ir promover-se ao estrangeiro numa língua que o público não entende? Foram os lobistas andaluzes que não entenderam para quem falavam, e com isso gastaram inutilmente uma fortuna ao seu cliente, que neste caso era o contribuinte.

Assim, para se fazer um lobby eficaz, é fundamental sabermos quem é o nosso cliente, quem é o nosso público-alvo, quais são os nossos objectivos, de que meios dispomos, conhecer o processo legislativo com o seu calendário e prazos, e qual é o nosso orçamento. Desta forma, podemos desenhar e aplicar uma boa estratégia para atacar o problema a que queremos dar resposta. Tendo em conta experiências passadas, estamos sempre a avaliar e aprender a enquadrar melhor as questões e contar melhor a história da nossa perspectiva sobre o assunto em análise. Acima de tudo, temos de ter em conta que do outro lado está uma pessoa como nós, com a sua história, cultura, formação e vicissitudes muito próprias. Por exemplo, com um engenheiro poderei enquadrar a questão de uma forma acção-reacção ou explicar a dinâmica do problema identificando um pólo positivo e um pólo negativo. A um médico, falarei do problema como uma doença a atacar, ajudando-o a descobrir o melhor remédio e prevenindo-o da possibilidade de eventuais contágios para outras áreas. A um pai de família sei que poderei falar do futuro com mais segurança de que será sensível às questões de longo prazo. E por aí fora.

Por outro lado, para o lobby eficaz devemos ter em conta a natureza das instituições e dos seus funcionários. No caso de Bruxelas, o processo legislativo muitas vezes começa na Comissão onde a proposta é elaborada, depois é enviada ao Parlamento que a pode aprovar, emendar ou vetar, depois segue para o Conselho... e o lobista pode estar num momento a contribuir de forma construtiva para determinada lei junto da Comissão, e passado umas semanas estar numa atitude destrutiva a fazer o seu lobby junto dos eurodeputados para emendar ou vetar alíneas que não lhe interessam e que não conseguiu influenciar na Comissão. A estratégia geral de lobbying deve contemplar que as tácticas se adaptem a cada público-alvo e a cada momento legislativo.

Vale tudo?
Mas será que vale tudo? Aqui começa a reflexão ética da profissão de lobista e da práctica do lobbying. A verdade é que... o lobista não é pago para dizer a verdade. Também não deve mentir, mas por vezes espera-se do lobista que engane ou induza ao erro. Pagam-lhe para dizer o que é conveniente. A diferença entre uma mentira e aquilo a que os americanos chamam de - e peço desculpa pela feia expressão - bullshit, é que a simples mentira é uma negação da verdade, enquanto que bullshit trata-se de dizer o que quer que seja (verdade, mentira ou engano, não importa) para alcançar um determinado objectivo. Como a verdade perde centralidade nesta indústria do bullshit que é o lobbying, fica prejudicada a capacidade de um lobista gerar confiança. Mas a confiança, que só se ganha no médio e longo prazo, é a chave do seu trabalho. Sem confiança, não é credível aquilo que o lobista oferece aos seus clientes e aos políticos que tenta influenciar. A grande tentação do lobista é dizer que sim a tudo, e tudo o que diz o seu cliente ou chefe passa a ser a sua missão, ordens para cumprir. Mas se o lobista engana o político porque o seu cliente assim pede, algum dia o seu cliente questionar-se-á se o lobista não o está a enganar a si também, e o lobista poderá também questionar-se se o seu cliente não o engana igualmente. Por vezes, o lobista só ganha o respeito das pessoas (clientes, network de contactos, políticos, ou de si mesmo) se tem a coragem de dizer “não”, “isto não faço”, “não ultrapasso esta linha”.

Para além da falta de confiança que advém de omitir, enganar ou induzir em erro (já para não falar da mentira), há outro fenómeno que mina as relações humanas e as sociedades: a corrupção. Quando se fala de lobbying, a corrupção está sempre presente na cabeça mesmo que dela não se fale. E não é por acaso, posso confirmar (sem nunca a ter practicado) que a corrupção no lobbying é bastante comum. Entendamos por corrupção tudo o que degrada a natureza de uma função, de uma acção, de um cargo ou mandato. Por exemplo, o mandato dum eurodeputado é para representar o interesse dos cidadãos que o elegeram. Se esta não for a grande prioridade do eurodeputado, pode-se dizer que ele está corrompido. Os principais tipos de corrupção em lobbying podem ser: favores legislativos, tráfico de influências, empregos para familiares, espionagem, sedução, cedência de assistentes que trabalhem para terceiros, viagens, presentes, recebimento de dinheiro por acção, promessa de cargo futuro (as “portas giratórias” ou revolving doors) e o financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Tudo isto pode alterar as prioridades do político ou funcionário que se pretende influenciar, degradando o seu serviço e dedicação ao Bem Comum.

Conclusão
Estou ciente que apresentei aqui uma visão um pouco negra desta profissão que já foi a minha, e de algumas falhas que há no sistema. Há quem diga que é preciso proibir o lobbying, há quem diga que é preciso maior regulação, mas eu acho que o problema é essencialmente cultural. Se formos a ver, todos somos um pouco lobistas, a começar pelos familiares dos políticos. Um deputado vota muitas propostas legislativas todos os meses, tantas que não é humanamente possível ele ser especialista em todos esses assuntos e votar em consciência. É normal e desejável que alguém lhe apresente factos bem organizados e explicados, com uma perspectiva sobre o assunto. Se possível, o político deve procurar também uma perspectiva contrastante para aprender mais matizes da questão e fazer a sua síntese. Bem entendido, o lobbying é um serviço que melhora a qualidade das democracias. Se eu participo numa manifestação ou se escrevo aos deputados, não só estou a exercer um direito como estou a participar de forma positiva no processo legislativo... estou a pedir ao deputado ou ao governo que me representam para agir de certa forma, e nesse caso estou a ser lobista de mim próprio. O problema não é o lobbying, o problema é a corrupção. E à corrupção responde-se com leis claras, penas dissuasoras, uma justiça que funcione e, acima de tudo, com mais ética pessoal e profissional de todos os intervenientes no processo legislativo.

Havia bastante mais para dizer, pois guardo muitas histórias engraçadas sobre aqueles anos. Mas para terminar num tom mais positivo, posso assegurar que há poucas coisas que dêem mais satisfação do que contribuir de forma saudável para que políticos tomem decisões informadas com impacto real e bom na vida das pessoas. No meu caso, houve alguns momentos em que tal aconteceu.

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