Era uma vez, nuns terrenos de areia quase à beira do Tejo, um enorme
pinheiro de raízes fundas e braços estendidos ao céu. Era a árvore mais vistosa
de todo o Ribatejo e sonhava um dia poder alegrar o Natal de alguma família cristã.
Ah, como desejava guardar aos pés os presentes de laçarotes encarnados e fingir
que eram os seus sapatos de festa… e queria tanto que o vestissem de fitas e
bolas brilhantes, que o trajassem de luzes como aos toureiros e que lhe
colocassem à cabeça uma bela estrela tal como aos bolos especiais se põe uma
cereja!
Um dia de Outono, húmido e frio como pertence à estação, o pinheiro contemplava a grande planície e olhava altivo para os pimentos do campo e para o arroz da lezíria. «Pobres vegetais», pensava o pinheiro para com as suas pinhas, «que estão destinados a um fim tão corriqueiro como a alimentação dos homens em dias sem história». O pinheiro aspirava a mais. Mas, enquanto se entretinha com as certezas da sua nobreza, “VRRRUMM!” um enorme ruído de motor soou perto do chão. Debruçou-se e viu um homem de serra na mão a levantar uma nuvem de serradura rente às suas raízes. A formosa árvore inclinou-se um pouco mais para ver melhor, sentiu o perfume inebriante da sua resina e “CRAAC”, “PAF!”, caiu com estrondo no manto de carumas. «Oh, meu Deus!», exclamou o pinheiro entusiasmado, «querem ver que chegou o dia? Serei finalmente a árvore de Natal na entrada duma casa grande, ou quem sabe no centro duma praça de aldeia, vila ou cidade?»
O pinheiro cedo percebeu que os seus planos iam sair
furados. No chão, cortaram-lhe o tronco em vários toros do mesmo tamanho e
juntaram-no a outras árvores caídas daquele pinhal. No fim, veio uma grua que
os carregou para uma camioneta enquanto ele se indignava «Não me podem fazer
isto! Não vêem que eu sou um pinheiro de Natal?». No tronco via-se a idade que
tinha, tantos anos quantos os seus anéis, e os anéis mais grossos correspondiam
aos anos de mais chuva e maior crescimento: no corte, a história da sua vida!
Mas não tenhamos já pena do nosso pinheiro, pois ele não imaginava que Deus lhe
tinha reservado o melhor para depois. A camioneta levou-o a si e aos seus
companheiros para uma boa carpintaria na vila. Lá, foram transformados em
tábuas lisas, foram tratados, envernizados e mais tarde montados em conjunto à
porta da Igreja Matriz. O pinheiro era agora parte das paredes e do telhado dum
estábulo que recebia um burro e uma vaca verdadeiros e actores que
representavam os anjos, os pastores e a Sagrada Família. Sentia-se
profundamente realizado. As pessoas saíam da Missa do Galo e juntavam-se no
adro, à volta do Presépio, ceando um prato quentinho de arroz de pato com
pimentos assados. «Ora vivam!», cumprimentou o pinheiro feliz.
AVC
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