Dois filmes de Verão


Na última semana fui ver dois filmes ao cinema. Quem quiser ver um grande filme de acção que dispõe bem, então não há que enganar: F1 merece ser visto diante do grande ecrã e com o som envolvente. Bem montado, transmite com eficácia o ambiente e a adrenalina das corridas de 24h Daytona, Baja 1000 e, principalmente, a Formula 1. A história é o arquétipo do velho herói (Brad Pitt) que volta para provar que ainda tem valor e o do jovem talento que está relutante em aprender mas que se deixa conquistar – como todos os outros cépticos – pelo génio do velho piloto. Uma história à moda antiga filmada com a mais recente tecnologia, tudo bem feito.

Ontem foi dia de voltar ao cinema. Não consegui convencer a minha querida que os filmes italianos são muito melhores do que os seus trailers. O meu argumento deu pouca luta porque logo encontrámos “Eddington”, num cartaz com Joaquin Phoenix debaixo dum chapéu de aba larga. “É de cowboys!”, animei-me, e ao pôr o trailer vimos que havia uma campanha eleitoral e ambos gostamos de tramas políticas. Com Emma Stone, Pedro Pascal e Austin Butler a completar o elenco, o filme prometia. Estava decidido. Eddington é o nome de uma pequena vila com um mayor, um xerife e os seus dois ajudantes. A história passa-se em 2020, no início da aplicação das medidas de saúde pública para combater o covid-19, nomeadamente a obrigatoriedade do uso de máscaras em supermercados e outros lugares de encontro. O xerife não concorda com o uso da máscara e outras medidas executadas pelo mayor, seu rival. Ao ajudar um velho a fazer as compras num supermercado que não o deixava entrar sem máscara, o velho tira uma fotografia com o xerife e publica-a nas redes sociais muito agradecido. E aí, aquele homem que parecia decente, não cabe em si de vaidade. Num impulso e sem consultar a mulher, publica nas redes um vídeo onde anuncia que será candidato a mayor nas próximas eleições. 

Este é o pecado original em Eddington. Ao pegarmos na Bíblia, lembramos que “a soberba precede a ruína, e a presunção precede a queda” (Pr 16,18). Em “Paradise Lost” (1667), John Milton diz que foi o seu “orgulho e a pior ambição” que precipitaram Satanás no inferno, para sua “infinita raiva e infinito desespero”. Resta-lhe tentar o “inocente e frágil homem” e nele infligir a sua perdição. E como escreve C.S. Lewis em “Mere Christianity” (1952), “o vício essencial, o maior mal, é o orgulho”. Aliás, “foi através do orgulho que o diabo se tornou diabo. O orgulho conduz-nos a todos os outros vícios”.

Eddington é apenas o nome deste lugar fictício no Novo México, o que nos diz pouco. Com mais justiça, o filme podia chamar-se Pandora. Ao destapar o vaso, dali saíram em imparável cadência todos os males sociais do ocidente contemporâneo. O catálogo é bastante exaustivo: a indiferença face à fragilidade de um sem-abrigo concreto; a hiper-sensibilidade face a problemas externos àquela comunidade, como a morte de George Floyd no longínquo Minnesota; o marxismo do Black Lives Matter; o terrorismo dos Antifa; o populismo proliferante; o racismo; a inveja laboral; as teorias da conspiração sobre vacinas, os abusos sexuais, a classe política, etc.; a depressão, a dependência dos ecrãs, a cultura da fama e dos influencers; a falta de informação e os boatos; o poder de manipulação dos algoritmos; os problemas ambientais e energéticos; novas seitas religiosas; a violência desproporcional e a facilidade de arranjar armas de guerra; a falta de reconhecimento do valor da vida humana; a manipulação fácil das massas e o discurso de ódio; a anarquia; o abuso da força de um poder sem freios; os extremos que se tocam e as pessoas que rapidamente passam de um extremo para o outro; o espectáculo degradante das novelas da vida real; a pobreza moral dos novos protagonistas; e o triunfo dos menos capazes. 

Não recomendo Eddington, que é pesado e desconcertante. São conflitos com origem inesperada, que crescem num ápice, e sem esperança de resolução. Mas é importante saber que existe esta crítica muito pertinente aos perigos do novo ambiente político em que vivemos. Entretanto, F1 ainda está nas salas. Aí, os problemas ainda são resolvidos à boa moda antiga. Não perca a oportunidade de ver F1 em grande plano, o filme merece!

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